Se você pensa no folclore como algo distante, que faz parte do passado ou que se resume a festas típicas, crendices de áreas rurais ou personagens como saci-pererê e mula-sem-cabeça, pode repensar seus conceitos. Dinâmico, ele se renova o tempo todo, não está limitado geograficamente e pode revelar aspectos valiosos sobre um povo e sua história.

“Existem vários tipos de saberes. Na escola, temos o conteúdo das disciplinas. Mas há um outro tipo de conhecimento tradicional, de domínio comum, que é adquirido e transmitido pelo convívio social. Esse saber é rico e nos identifica”, explica Alberto Ikeda, professor de cultura popular e etnomusicologia da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (Unesp).

Modos de ser e de pensar

Também chamado de cultura popular tradicional, o folclore é o conjunto de práticas, histórias, tradições e formas de pensar que pertence a um determinado povo, foi disseminado oralmente e resistiu ao tempo.

Todos os grupos sociais, de qualquer lugar do mundo, independentemente do seu nível de desenvolvimento, têm seu repertório de práticas populares.

Por exemplo, quando recorre a um chá calmante que a avó costumava preparar, ensina ao filho a empinar pipa ou repete um ditado como “o pior cego é aquele que não quer ver”, um indivíduo está lançando mão dos chamados saberes populares. Todo mundo faz isso e, muitas vezes, esses costumes estão tão incorporados em nossa rotina, que não nos damos conta de que são oriundos dessa cultura popular.

Assim como o folclore revela qualidades interessantes de uma população, ele também pode mostrar características contestáveis. Um exemplo disso são as expressões de cunho preconceituoso. “Ainda assim, é importante atentar para isso e refletir a respeito. Só podemos modificar ou preservar aquilo que conhecemos”, pondera o professor Ikeda, especialista em cultura popular.

Isso é folclore

Para que algo seja considerado folclórico ̶ seja um hábito, seja uma brincadeira, seja uma música, seja uma história etc. – ele precisa fazer sentido para um grupo, em um determinado contexto, e resistir ao tempo. A transmissão do saber acontece no convívio social, seja em casa ou na sociedade. “Muitas vezes, quando vai se conceituar o que é folclore, há uma tendência a valorizar o fenômeno em si e o conhecimento é apartado do praticante. Não dá para separar o grupo humano de seu saber. É preciso valorizar as pessoas que são responsáveis pela divulgação dessas informações”, alerta o professor Alberto Ikeda, da Unesp.

Outro aspecto que deve ser ressaltado é que o folclore se atualiza. Um trabalho de renda feito artesanalmente por uma comunidade local, cuja técnica foi transmitida por várias gerações, pode ganhar temáticas contemporâneas e também utilizar novos materiais, mas a essência permanece. O mesmo acontece quando surgem variantes de uma cantiga ou brincadeira.

O folclore também pode ganhar novas manifestações. Um exemplo são as frases dos para-choques de caminhão. Esse tipo de comunicação mostra a personalidade, reforça a identidade e os valores de um grupo específico.

Histórias para repartir amor

As clássicas histórias dos mitos brasileiros – como o saci, a iara, o boto – são recontadas há anos. Elas chamam atenção das crianças, despertando curiosidade e também provocando reflexão. Mas é importante que sejam contextualizadas para ampliar a compreensão dos pequenos.

Na lenda do saci, por exemplo, pode-se explicar que o personagem arteiro, que vive aprontando travessuras, surgiu da necessidade das pessoas de justificar uma distração ou arrumar um culpado para uma determinada situação (leia o nosso especial sobre personagens do folclore).

Além dos contos famosos, vale reunir as crianças e contar histórias de família, falar das brincadeiras da infância dos mais velhos, reproduzir quadrinhas e brincar de adivinhas. É dessa forma que esse tipo de saber se propaga e criamos espaço para a convivência.

“Contar histórias é repartir amor, demonstrar carinho e interesse por aquela pessoa. Ninguém conta uma história para quem não gosta”, completa o professor Alberto Ikeda.

O folclore vai sobreviver à globalização?

Tradição e elementos que nos diferenciam dos outros povos parecem parte de um discurso distante quando pensamos na crescente globalização em que vivemos hoje. Será que estes elementos do folclore estão apenas ao alcance de lugares em que a globalização ainda não chegou ou será que é possível conciliar uma cultura globalizada com folclores regionais?

Para Adriana Romeiro, conciliar a cultura global e a local não é assim tão simples. “A globalização é um rolo compressor que tende a homogeneizar as culturas, e uma consequência disso é o acirramento das identidades locais”, considera. Ela diz que o esforço de combinar as duas coisas pode não ser muito benéfico nos casos em que se cria “uma identidade falsa e um folclore que não existe”. E completa: “Um exemplo é a cidade de Tiradentes (MG), que é uma cidade histórica, mas as pessoas que moram lá não têm uma relação com a cidade que passa pela história e pela experiência”.

Com uma opinião diferente, a professora Ana Lúcia diz que existe uma corrente de pensadores que acredita que a globalização é um “processo de reforço de identidades étnicas e um resgate de identidades individuais”. Para ela, o maior exemplo disso está nos jornais. “Estes conflitos que estão acontecendo agora nos países árabes são exemplo disso. O renascimento da identidade árabe está sendo feito muito através do uso da Internet. E isso confirma de certa maneira o que já é consenso, de que tanto o global quanto o regional estão sendo fortalecidos por meio do uso da internet. É uma razão a mais para pensarmos em conciliações em vez de antagonismos”, conclui.

Fonte: Educar para Crescer